Entrevista para o Londrino Talkfunding.com (Tradução)

Fiquei muito feliz com o interesse do Talkfunding.com, site londrino especializado em Crowdfunding, em conhecer um pouco mais sobre a sistemática e as tendências do desenvolvimento do Crowdfunding no Brasil. Cedi uma entrevista bem completa, que traduzo abaixo na íntegra.

Talkfunding.com: Alan Jones

  1. Qual é o seu papel nesta indústria que cresce rapidamente?

Na verdade meu envolvimento com o crowdfunding aconteceu quase que por acaso. Meu interesse pessoal por inovações em negócios falou mais alto do que minhas atividades! No Brasil, como em vários países, não há legislação que trate especificamente do tema, ainda mais no campo tributário e fiscal. Durante o boom dos sites de compras coletivas, eu comecei a estudar o fenômeno e a escrever tecnicamente sobre os riscos e implicações jurídicas, fiscais e tributárias do novo modelo de negócios que estava surgindo naquela época.

Desenvolvi modelos específicos de contratos para os milhares de sites que estavam surgindo, e pela primeira vez percebi o quanto a rede estava carente de informação técnica sobre novos modelos de negócio. Desde lá, sempre que surge alguma nova vertente de e-business, tento aprofundar pesquisas sobre os impactos jurídicos, fiscais e tributários sobre os empresários.

Enquanto muitos sites e consultorias querem falar e orientar os usuários, meu foco sempre foi orientar, precaver e dar suporte aos empresários, que muitas vezes acabam se aventurando sem ter referências seguras, legais e tributárias sobre o modelo de negócio que estão adotando.

Assim, atualmente estou com foco nos estudos e consultoria relativos a tributação, formatos de contratos e relações jurídicas e fiscais das atividades de crowdfunding, em especial no Brasil, onde as regras fiscais são muito complexas e sua aplicação incorreta pode simplesmente exterminar um bom negócio. Minha intenção é criar uma equipe de due dilligence para certificar projetos, para aumentar a proteção aos doadores, além de precaver os donos dos projetos de multas por infração tributaria.

 

  1. Qual é o seu top 3 de “Perguntas e Respostas”?

a) Como as autoridades fiscais irão tratar as doações efetuadas aos projetos, relativamente a tributação pelo Imposto de Renda, tanto do doador quanto do beneficiário? E qual o nível de responsabilidade dos sites nisso?

b) Quais os limites efetivos para que as doações efetuadas não sejam utilizadas como lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo ou tráfico de drogas ou armas?

c) Se as atividades desenvolvidas no crowdfunding são serviços, compra e venda ou a doação, sob o aspecto legal?

 

  1. Alguma razão em especial para que estes tópicos sejam seu top 3?

Sim. A primeira, por se tratar de uma questão delicada. Ninguém pode simplesmente receber dinheiro de outro, sem declarar a Receita Federal. Até onde se tem informação, após ser efetuado o repasse das doações ao dono do projeto, descontada a comissão do site, não há qualquer informação ou demonstrativo formal que seja declarado a Receita Federal para fins de apuração de impostos. Se tratarmos de pessoas físicas, seria o imposto de renda. Se tratarmos de pessoas jurídicas (empresas), temos ainda toda a cadeia de impostos sobre faturamento. E aqui ainda temos a discussão de “conceito de faturamento” para fins de incidência de impostos e se as doações são isentas. E temos ainda a questão da responsabilidade dos portais que divulgam os projetos, se devem ou não informar a receita, e de que forma essa movimentação financeira esta sendo declarada na contabilidade desses portais. Afinal, se eles movimentam todos esses valores em suas contas, devem ter condições de individualizar, por doador e por projeto, a totalidade dos valores que se referem a comissão, transferência e custos dos projetos.

A segunda trata da origem do dinheiro. Tivemos um caso emblemático no Brasil que eu gostaria de ilustrar, o qual me despertou para esse questão relevante. Tivemos um grande julgamento criminal no país, envolvendo grandes figuras políticas, as quais foram condenadas pelos crimes que cometeram. Além das penas de prisão, vários deles foram condenados à pagar multas pesadas aos cofres públicos. Dias após a decretação da sentença, foram criadas campanhas em sites de financiamento coletivo, com a finalidade de angariar fundos para que os criminosos pudessem pagar suas multas com as doações coletivas. Diga-se de passagem, os projetos foram muito bem sucedidos e atingiram seus valores de doações em 3 dias.

Porém, se você analisar que alguns projetos envolveram mais de 1 milhão de reais em multas, estamos falando de muito dinheiro arrecadado em tempo recorde, sem qualquer controle das autoridades fiscais. O assunto foi esquecido pelo mercado e ninguém mais fala nele, mas desde aquele momento comecei a refletir sobre os riscos da utilização de supostos projetos de financiamento coletivo para angariar fundos ilegais para fins ilícitos.

O terceiro e a última está diretamente ligada a definições legais técnicas. Como falta legislação para o segmento, entendo que é necessário a todos os empresários que irão investir nisso, saberem a distinção clara entre cada tipo de modalidade, pois, de acordo com o enquadramento legal adotado, os reflexos tributários, fiscais e civis serão totalmente diferentes, aumentando ou diminuindo custos diretos dos envolvidos no projeto. Especialmente no Brasil, que a partir de 2015 teremos o cruzamento eletrônico de informações fiscais de todas as empresas, qualquer tipo de inconsistência no tipo de negócio adotado, poderá gerar pesadas multas aos empresários.

 

  1. Cite o melhor exemplo de campanha de crowdfunding em andamento? Se você tiver mais de um, por favor, cite seu top 3!

 

Existem diversos bons exemplos de campanhas. Porém, acredito que as mais bem sucedidas são aquelas que reúnem 3 pontos:

a) Facilidade de pagamento – os doadores muitas vezes querem adquirir cotas maiores, porem estão restritos pelo valor imediato de pagamento. Se o valor de doação for dividido em parcelas (no próprio meio de pagamento usado pelo site), o sucesso torna-se mais viável;

b) Ineditismo das recompensas – ninguém quer ganhar coisa comuns. Quanto mais original e diferente, melhor! As pessoas querem aquilo que ninguém tem, simplesmente pelo fato de dizerem que fizeram o que ninguém fez!

c) Simplicidade no vídeo do projeto – as pessoas acreditam em quem elas podem estar próximas, ou pelo menos pensam estar próximas. Um vídeo que seja muito rebuscado, altamente profissionalizado, pode muitas vezes dar a sensação de uma superprodução que vai consumir uma parte importante dos recursos arrecadados. Afinal, se você vai ao mercado pedir grana, as pessoas querem que a grana seja usada no projeto, não com fornecedores que estão divulgando o pedido do dinheiro. Não estou dizendo que o vídeo tem de ser amador. Estou dizendo que ele tem que ser simples, claro, focado no idealizador e sua equipe.

Um exemplo disso que está nesse projeto do Kickante idealizado pela Bel Pesce no link: http://

www.kickante.com.br/campanhas/bel-pesce-legado-menina-da-vale

 

  1. Agora, um exemplo negativo de campanha? (Entendo se você não quiser citar campanhas específicas).

Novamente, gostaria de frisar alguns pontos que tornam, a meu ver uma campanha negativa:

a) Supervalorização do projeto – os idealizadores, por melhores e mais competentes que sejam, devem tomar o cuidado para não parecerem muito arrogantes em seus projetos. Entenda como arrogância não uma característica pessoal, mas a forma como você leva ao público o anseio do seu projeto. Muitas vezes os projetos são ótimos, as ideias são brilhantes e as chances de sucesso espetaculares. Mas a forma como o vídeo aborda o projeto, tem que levar em consideração que as pessoas não são bobas. Elas querem ajudar e participar de algo grande… mas essa grandiosidade precisa ser plausível! De uma forma mais objetiva, um projeto deve ser entendido como uma oferta pública de um empreendedor para milhões de investidores, e que precisam não só acreditar no projeto, mas igualmente visualizarem que, se ele acontecer, será um diferencial naquele segmento. Lembre-se, o público está muito mais preparado para analisar os projetos do que imaginamos. Não vou citar o link, mas existe um projeto no Brasil que é espetacular e tem tudo para dar certo. O idealizador tem mais de 200.000 seguidores no face e twitter. Porém, ao lançar o projeto, somente 200 apoiaram, e faltam 10 dias para acabar com uma parcela de 50% em aberto. E o idealizador é um super comunicador, competente, focado. Mas acredito que a forma de abordagem colocou os doadores muito distantes do projeto.

b) Falta de instrumento claros de fiscalização do uso do dinheiro recebido – como disse acima, as pessoas estão dispostas a ajudar e a doar. Porém, querem também ter a certeza de que o dinheiro foi usado para aquilo a que se propôs. Não estou falando em lucro ou prejuízo, estou falando em finalidade. Pode até ser que o projeto dê errado e que todo o investimento se perca. Dizer isso é importante! O que as pessoas não querem é sentir a sensação de que o uso da doação pode ser desvirtuado daquilo que foi divulgado. Novamente, a falta de instrumento legais torna esse item muito delicado, especialmente aos divulgadores com ma intenção. Eu particularmente, em vários projetos que acompanho, em nenhum deles vi uma política, por menor que fosse, de demonstração de uso dos valores doados após o fim do projeto ou da campanha.

c) Público alvo e disseminação da campanha – existem dezenas de sites mundo afora para financiamento dos mais variados segmentos e projetos. Justamente por isso, os idealizadores que querem lançar seus projetos, devem antes, verificar se aquele site irá atingir o publico alvo dele e se os meios de divulgação dos sites preenchem as necessidades do projeto. Tenho observado uma postura passiva dos sites na divulgação dos projetos que possuem, deixando praticamente tudo nas mãos dos idealizadores, que devem usar suas redes sociais e networking para fazer a coisa acontecer. Poucos sites possuem aplicativos móveis para que você possa buscar projetos, ser alertado por eles ou mesmo efetuar suas contribuições através do celular.

Eu mesmo não vejo divulgação nos principais portais dos projetos disponíveis em sites de crowdfunding. Ou seja, acredito que os idealizadores devem cobrar dos sites uma atuação mais ativa, já que eles cobram uma comissão por tudo isso. Sabemos que eles divulgam para seus cadastrados. Porém, estou falando de ações de marketing mais direcionadas, o que sem dúvida reforçaria o número de projetos financiados, além do chamariz para mais idealizadores utilizarem aquela plataforma.

d) Obstáculos na devolução do dinheiro, em projetos não financiados – uma vertente que logo irá apresentar problemas será a questão da devolução dos valores doados para projetos que não atingem o mínimo necessário para sua ativação. Muitos sites simplesmente colocam dificuldades desnecessárias para creditar o valor doado novamente ao doador. A maioria deles converte em créditos, para que sejam aplicados em outros projetos. Só que, quem doa, não quer ficar vinculado a nenhum site para achar um projeto para “gastar” o crédito. Vou te dar um exemplo. Um doador gostou de um projeto e contribuiu com uma cota de U$D 2,500. O projeto não atingiu o mínimo e esse valor foi convertido para ele em créditos. Porem, era a primeira vez que ele apostava no crowdfunding e ficou muito frustrado com essa postura. Após discutir com o site, a única solução que lhe derem foi criar uma conta em um outro meio de pagamento (que não o utilizado no momento do projeto) para então aguardar o crédito em uma conta para então ser reembolsado. Só que ele teve que gastar com todas as taxas desse novo meio de pagamento, ou seja, ele não recebeu o valor que doou. Isso, além de errado, causa nos potenciais doadores futuros um sentimento de “vinculação” que não querem ter.

 

  1. Sobre a preocupação com as fraudes, o que você tem a dizer?

Ela deve ser um dos principais focos, tanto dos sites quanto dos divulgadores de projeto nos próximos anos. Com a disseminação de projetos das mais diversas naturezas, a ampliação dos meios de pagamento e a falta de instrumentos de fiscalização claros desde a criação até a finalização dos projetos, entendo que em breve teremos problemas sérios com doadores que poderão se deparar com campanhas falsas, ilegais ou até mesmo de projetos sem qualquer fundamento. Some-se a isso que, da mesma forma, os sites que divulgam os projetos precisam ser mais transparentes na devolução dos valores aos doadores, quando o projeto não é ativado. Quanto mais simples essa devolução ao doador, mas seguro ele fica de arriscar em outros projetos. Quanto mais difícil, menos investimento. Além disso, fraudes podem acontecer com o uso do dinheiro do doador, sem que ele saiba. Não estou dizendo que os sites fazem isso, mas que existe brecha para isso, existe.

Outra preocupação seria estar ligada a contabilidade dos sites e dos idealizadores que conseguem financiar seus projetos. Em todos os países existe uma necessidade legal em que a contabilidade formal das empresas atenda requisitos técnicos mínimos para que todas as transações financeiras sejam comprovadas e devidamente documentadas. Não tenho vislumbrado essa preocupação nos empresários do segmento, tampouco nos donos de projetos financiados.

Por ultimo, pode parecer absurdo o que vou dizer, mas acredito que deveria existir um limite para financiamentos acima do valor solicitado pelo projeto. Explico. Se o projeto foi devidamente estruturado, documentado e segue uma programação, qualquer excedente tende a não ser aplicado nele. Não estou dizendo que as pessoas não podem ganhar dinheiro com seus projetos. Apenas entendo que, se o projeto já atingiu o mínimo, ele só pode exceder a cota em 25%, por exemplo. Existem casos de projetos na rede que ultrapassam 200% do valor solicitado. Para onde vai esse valor? Novamente, volto na questão fiscal e tributária da informação dessa movimentação financeira, sempre com fins a evitar fraudes.

 

  1. Como você vê a evolução do Crowdfunding em 3 e 8 anos?

 

Particularmente, acredito que o crowdfunding veio para revolucionar a forma como financiamos projetos, em todas as categorias e segmentos. Ainda não exploramos 50% das áreas potenciais, estamos muito concentrados em produtos, artes e inovações. Mas existem muitos segmentos tradicionais que possuem um potencial assustador de financiamento.

Além disso, à medida que os doadores se sentirem mais seguros quanto a devolução de valores, uso efetivo do dinheiro e acompanhamento do projeto prévio e final (due dilligence), o fluxo de financiamento coletivo vai ser cada vez maior. Outro ponto se refere as formas de pagamento dos projetos. Quanto mais simples, melhor, mais rápido e mais efetivo.

Acredito também que os sites precisam investir de forma mais clara em campanhas de marketing, não só online, mas tradicional. Pessoas comuns (não tão conectadas mas que gostam de projetos diferentes) podem sentir-se estimuladas a ir online se tiverem acesso a ações de marketing direcionadas pelos sites em meios tradicionais. Não podemos esquecer que, apesar da geração conectada superar a casa dos milhões, os “fundos” para grande parte dessa geração provem de seus pais e parentes, nem sempre tão conectados. Mas igualmente idealizadores e financeiramente estruturados.

Outro segmento que ainda não entendeu a força do financiamento coletivo é o financeiro. Especialmente no Brasil, existem milhões de pessoas que nem conta bancaria possuem, mas que se interessam por projetos coletivos. Existem um nicho de mercado muito forte a ser explorado.

Por fim, imagino que as autoridades em todos os países, em breve começarão a se interessar de forma detalhada pelos sites de financiamento coletivo, dado o volume de recursos e movimentação financeira que vem atingindo. Quanto mais projetos ultrapassarem o mínimo para financiamento, maiores serão os interesses das autoridades fiscais em entender o processo como um todo. E para isso, as empresas responsáveis pelos sites de crowdfunding devem estar preparadas para explicar, demonstrar e comprovar a licitude e exatidão de suas transações.

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